domingo, 5 de fevereiro de 2012

A Baixela Quebrada

Embora não seja de minha autoria, este conto é muito bom para refletirmos sobre seus ensinamentos. Boa leitura!



Um veneziano, mercador poderoso, fez presente a um príncipe, rei das Espanhas: deu-lhe, com outras cousas, uma baixela de vidro cristalino, dourado, de muitas e mui ricas peças, tão sutilmente lavradas, com tanta curiosidade e de tal feitio, que se não podia mais desejar.

Vista pelo príncipe, a estimar em muito, e, agradecendo-lha e pagando-lha bem, fez que o servissem com ela nos dias de maior festa, menosprezando então outras baixelas de prata dourada e ricas peças de ouro, formosas e de grande preço.

Assim, aconteceu que, tendo o príncipe uma suntuosa ceia com uns embaixadores de outros reinos, servindo-se com esta copa ou baixela, como costumava em tais tempos por maior grandeza, caiu um prato a um pajem que o levava, do que o príncipe tomou muito pesar e nojo. Porém no mesmo instante disse:

__ Não porque o nojo dure, porque isso é e como tal há-se de quebrar peça por peça, porém por poupar o nojo que pode vir quando se quebrar outra: agora, com esta consideração, mando que se quebre toda !

E assim se fez, que se quebrou a baixela por poupar os nojos que daria adiante, quebrando-se por muitas vezes. E ele ficou fora de paixão, para concluir com gosto o banquete em que estava.

Assim nós, pois, entenderemos que a fazenda, filhos, privanças e honras da terra, não há-de durar para sempre e são quebradiças como vidro. Quando se acabar qualquer cousa destas, façamos conta que são perecedoras e que por derradeiras hão-de ter fim. Não tomemos por cada uma mais nojo do que é razão; mas, conformes com Deus, por tudo lhe demos graças: porque ele, vendo nossa paciência nas adversidades, e que sabemos fazer bom rosto aos nojos e perdas que nos vêm nos dará graça com que aqui soframos nossos trabalhos, em penitência de nossos pecados; e por ela e por sua misericórdia nos dará a Glória.

(Conto de Trancoso – Portugal)







Nenhum comentário:

Postar um comentário