quinta-feira, 25 de junho de 2009

O Brincador

“Quando for grande, não quero ser médico, engenheiro ou professor.

Não quero trabalhar de manhã à noite, seja no que for.

Quero brincar de manhã à noite, seja com o que for.

Quando for grande, quero ser um brincador.

Ficam, portanto, a saber: não vou para a escola aprender a ser um médico, um engenheiro ou um professor.

Tenho mais em que pensar e muito mais que fazer.

Tenho tanto que brincar, como brinca um brincador, muito mais o que sonhar, como sonha um sonhador, e também que imaginar, como imagina um imaginador…

A mãe diz que não pode ser, que não é profissão de gente crescida. E depois acrescenta, a suspirar: “é assim a vida”. Custa tanto a acreditar. Pessoas que são capazes, que um dia também foram raparigas e rapazes, mas já não podem brincar.

A vida é assim? Não para mim. Quando for grande, quero ser brincador. Brincar e crescer, crescer e brincar, até a morte vir bater à minha porta. Depois também, sardanisca verde que continua a rabiar mesmo depois de morta. Na minha sepultura, vão escrever: “Aqui jaz um brincador. Era um homem simples e dedicado, muito dado, que se levantava cedo todas as manhãs para ir brincar com as palavras.”


Alváro de Magalhães, escritor português

O Moldador de Palavras



O poeta é um moldador!

Molda com suas tintas,

palavras ditas e distintas

combinando-as umas e outras

com a voz de sua alma.

Como o escultor

ao moldar a argila

o bronze, o ferro, a areia

as palavras tomam formas distintas

daquelas de onde se originaram.

Nada tem o mesmo sentido

na poesia,

na modelagem de palavras

pelo olhar sensível,

pelo coração do poeta.

O poeta é um brincador,

brinca tanto e tantas vezes

com as palavras

que elas se embaralham e

nos embaralhares de suas letras,

tornam-se outras palavras,

outros sentidos

outras lembranças,

ainda que palavras...

Ainda que palavras sejam ditas,

escritas, sentidas ou ouvidas,

nas tintas e nos lábios

do poeta que

brinca, brincando com as tais;

elas nunca serão as mesmas,

pois passaram pelo cerne da alma,

da alma de um poeta

que escreve

e ao escrever sonha,

sente e dá vida

a tudo ao seu redor

numa constante

escultura de palavras

sem perceber,

que com sua poesia

modela o mundo.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Por causa do trigo (Ao Pequeno Príncipe)

Da janela de minha sala

ainda que na metrópole empoeirada

cinzenta dos motores

vejo um campo de trigo dourado.

Olhando pela janela,

o ouro do trigo me traz as lembranças

da raposa que me cativou,

que me ensinou tanto,

a quem ensinei,

e que sofreu ao me ver partir

ou me fez sofrer por sua partida.

As lágrimas que brotaram de nossos olhos,

regaram o trigal, dando-lhe força e viço,

fazendo dourar ainda mais

a imagem de nossas lembranças;

se parti e fiz chorar quem me cativou,

chorei pela sua partida também,

imaginando que só prejuízos nos deixamos.

Mas por causa do trigo,

aprendemos que os ganhos

foram maiores que as perdas.

Tudo por causa do trigo,

do trigo dourado

que de minha janela observo,

lançar-se de um lado para o outro

na brisa leve e perfumada

que sopra, trazendo-me o perfume dos trigais.

Por que mentes?

Dirão alguns...

Não há trigo para ser visto

de sua janela!

A estes que não vêem o trigo

direi com ares de poeta e louco

que não há mentiras,

o trigo está lá para ser visto

pois assim como

o verdadeiro amor,

o essencial é invisível aos olhos,

pois só se vê bem

com os olhos do coração.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

A Alma de um Poeta (ao Thiago)

A alma de um poeta

é multifacetada,

colorida de dores,

amores, sorrisos

e suspiros.

A alma de um poeta

chora lágrimas

silenciosas

que insistem em fazer

marejar os olhos,

janelas da alma de um poeta.

A alma de um poeta

é sensível

por entender de forma diferente

o mundo ao seu redor.

A alma de um poeta,

ainda que tente esconder,

sofre calada

quando não ouve a voz

das palavras que dela saem

em forma de versos,

tinta ou sons.

A alma de um poeta

é mais do que a alma

de um mortal,

é incompleta quando sofre,

é completa quando ama,

é plena quando voa

nas asas da vida

que com olhos,

oriundos do recôndito de sua alma,

enxerga a vida

e o mundo,

como só

a alma de um poeta

pode enxergar.


segunda-feira, 15 de junho de 2009

O Tempo

Ah, o tempo!

Quem entende

este mestre

que ora velho,

ora novo

nos faz pensar

e aprender

nas engrenagens de suas voltas,

a vida a ser vivida,

amada e sentida?

Ah, o tempo...

tempo que vai,

tempo que empurra,

que faz cair as areias da ampulheta

a nos levar em frente,

sempre em frente,

ainda que queiramos

voltar atrás.

Nestas horas,

o mestre tempo

impiedosamente

faz escorrer suas areias

por entre os dedos

de quem insiste em segurar o tempo,

Ah, o tempo...

Ainda Fernando Pessoa...

... A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena... 

Drummond, um poeta!


Mãos Dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro. 
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. 
Entre eles, considero a enorme realidade. 
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. 

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, 
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. 
O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes, 
a vida presente.

Erros (sobre acertos e perdões)

Erramos!

O amor nos fez errar

por nos cegar para

verdades não ditas

verdades criadas,

por imagens criadas

pelo amor incondicional.

Erramos

por sermos apenas...

humanos.

Humanos que

na tentativa cega

de acertar,

de querer sempre perto

o amor,

o pedaço de sua alma,

não percebem as dores

que infligem na própria alma

e na alma de quem amamos.

Do erro, antes do aprendizado,

ainda obscurecido pelo orgulho,

surgem as lágrimas,

ciscos insistentes

que rolam nas faces,

lavando mágoas, dores

como um bálsamo

sobre faces sofridas,

das dores sentidas,

lavando a alma

dos que amam,

purificando e

renovando o amor verdadeiro.

E das lágrimas, surgem

os abraços,

os beijos sinceros,

os aprenderes que a vida

nos impõe,

sem esperar o tempo

que insiste em correr,

sem dar tempo

de pensarmos ou sentirmos,

fazendo com que nos escondamos,

sofrendo no fundo da alma,

as dores de uma separação

que só existia no orgulho,

nos erros,

na busca de acertar,

na vontade de proteger

e com tudo isso

continuar a amar.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

A Solidão me acompanha

Não caminho sozinho!

A solidão me acompanha.

Com passos leves

insiste em caminhar ao meu lado,

fazendo doer o coração apaixonado

que insiste em buscar

pelos caminhos diversos da vida

uma alma companheira

para juntos,

sob sóis ardentes

ou luares de prata

completarem-se em sua existência.

Enquanto caminho,

ao redor observo

como flores nos arredores,

o amor florescendo entre os seres.

Olho ao lado

para a companheira solidão

perguntando-lhe o porquê

de sua escolha em me acompanhar.

Se responde não posso escutar

pois sua voz é um sussurro,

misto de resposta e riso

a olhar-me com desdém

enquanto caminha a meu lado.

Aparta-te solidão,

deixa-me viver o amor pleno

que habita em meu ser,

o desejo de ter ao lado

alguém que me complete

a alma ferida, sofrida

pelos espinhos do caminho

e pela frieza da solidão,

que busca o repouso

nos braços do amor,

que ora perdido

busco sem cessar

nos caminhos da vida

com a solidão

que insiste em me acompanhar.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Carta ao Filho

Porque cresceste?

As lembranças de outros tempos, mais simples, com amor mais fácil, com olhares mais ternos e proximidade maior não bastavam para que tua vida se completasse?

Não... precisaste crescer, como o fizeram todos os adultos de hoje, crianças de ontem, para conhecer o mundo, a vida a ser vivida e os desencontros que ela proporcionaria.

Saudade de embalar-te para que o sono chegasse mais tranquilo, sem sustos ou medos do negrume da noite que insistia em trazer sombras de assombrações para ti.

Sofres por tuas escolhas e isso me faz, junto a ti, sofrer também, por não entender o que sentes, o que ficou em tua alma doída, roída por sentimentos de conflito, impotências perante escolhas e caminhos deixados para trás, mas que insistem em continuar te acompanhando, fazendo doer e machucar ainda mais, passo após passo, como se espinhos te ferissem os pés.

Porque tiveste que crescer quando a vida, em tua tenra idade era mais simples? O tempo, este implacável juiz e mestre não poderia ter parado para ti pelo menos um pouco para que eu tivesse tempo de ensinar-te um pouco mais do que te esperava pela frente? Não. Ele não podia e não o faria ainda que pudesse, pois é o seguir do tempo que hoje embala tua vida, teu sono, teus sentimentos, cobrando-te respostas quando ainda nem sabes o que perguntar. É o tempo que te cobra maturidade que, ainda que insista em ter, te dói na alma, na saudade da meninice, da proteção que tinhas quando um joelho ralado era um grande problema.

Crescer tem seu preço. Dói mas te impulsiona a novos mundos e tempos diferentes daquele que conheceste. Cobra ainda o preço daqueles que te amam, que agora, ao verem-te crescido, sofrem de preocupações, medos de ver-te perdido em caminhos que não aqueles que ousaram traçar para tua vida, como se fossem donos de ti. Entenda que não o fazem por mal, mas sim para aplacar a saudade de suas almas que agora observam teu vôo sem poder bater asas atrás de ti, seguindo o ciclo da vida, do tempo ou ainda carregá-lo no colo ou de cavalinho pois cresceste demais.

Já sentiste em tua alma a dor do medo da perda? Creio que não pois isso só sentirás quando estiveres deste lado, escrevendo para teu filho que cresceu e que te faz sentir o medo da solidão, da perda, do desencontro e de ver-te sofrendo. O amor é engraçado pois faz com que desejemos sofrer por quem amamos, para poupá-lo das dores do sofrimento, ainda que saibamos que cada um, em seu tempo e momento, precisará sofrer, sentir para aprender a viver ainda mais.

Caminhas por aí, solitário, com as dores a te acompanhar, lágrimas de dores sentidas, sofridas pelo coração, sem entender o porquê. Talvez a resposta venha no tempo, o mesmo que insiste em girar e cobrar o crescimento. Talvez não venha e te deixe com a dúvida. Por ora, meu filho, busque a vida e não as respostas para o passado pois és dono de ti mesmo e de tua alma, escolhendo se queres sofrer, fazer doer ou deixar cicatrizar o ferimento aberto que insiste em incomodar-te e fazendo isso, incomoda quem o ama, pela impotência de nada poder fazer, pois crescer, implica em tomar decisões que nem sempre são as mais acertadas, mas que para o momento trarão novos saberes, experiências e rumos para tua vida.

Como o navio, num mar escuro, tem o farol para conduzi-lo ao porto seguro, é o filho que singra mares nunca dantes navegados, mas com a certeza do porto seguro de quem o ama, para ampará-lo e trazê-lo de volta à terra firme do coração conhecido.



Inteiro


Sou inteiro!

não sou pedaço,

não sou metade!

Se sinto,

sinto por inteiro

em todo meu ser

que reflete os sentimentos e as dores

de minh´alma.

Sinto saudades

e se ela me consome

o faz por inteiro;

sinto solidão

solidão que me chega silenciosa,

porém ruidosa da vontade,

vontade de tê-la em meus braços

amando-te, mostrando o que sinto

o sentimento inteiro

que me conduz pela vida

a vida inteira

inteirada na saudade,

na solidão,

no desejo de tê-la

a meu lado,

pois ainda que

eu seja inteiro,

um ser total,

falta-me um pedaço.

Sinto medo,

medo da solidão

de perdê-la, ainda que não a tenha;

um medo que afasta

quando queria estar mais perto

Um medo que consome um pedaço

da alma romântica do poeta,

tornando-o, em sua completude,

incompleto.

Eis a ironia da vida!

Viver plenamente,

inteiro,

na verdade só existe

quando vivemos

ao lado de um grande amor.

Viajantes


Singrando pelas águas

sem rumo e sem luz a te guiar,

iniciaste uma jornada

buscando encontrar...

Encontrar um porto onde possa

teu corpo repousar,

tua cabeça recostar.

E mais do que isso,

possa sonhar...

Sonhar com um amanhã

que se desfralda ao sol

como as velas de sua nau

rumo a um mundo de sentimentos e amores

que te conduzirão a uma nova jornada,

que se inicia em uma nova nau.

Uma nau de muitas facetas,

uma nau de muitos sentimentos,

uma nau de muitas dores...

uma nau chamada SER.

(Publicado em 2003, sob o pseudônimo de Anacleto Von Kessel)